Existe um tripé de ações que são a base do modelo Value-Based Healthcare (VBHC) ou saúde baseada em valor. De um lado, a medição dos desfechos de saúde. Do outro, saber quanto custa cada um desses desfechos. E, por fim, entender quais são aqueles que mais importam aos pacientes.  

Parece uma conta simples, mas Scott Wallace, diretor administrativo do Value Institute for Health and Care, explica que a realidade atual foge desse cenário – especialmente no último ponto, o que aumenta os gastos sem necessariamente ajudar quem precisa.  

“Poucas pessoas no sistema de saúde avaliam os desfechos e um número ainda menor conhece o custo de entrega deles, em nível de cada indivíduo. Infelizmente, também são raros os casos em que os serviços de saúde sabem quais são os desfechos que mais importam aos pacientes”, destaca Wallace que, ao lado de Elizabeth Teisberg, co-criadora do conceito VBHC, comanda o instituto – fomentado pela Dell Medical School e pelo McCombs School of Business da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, para disseminar a implementação do VBHC no mundo.

A sigla, em tradução livre, significa saúde baseada em valor e propõe uma mudança no sistema de remuneração da área. Em vez de o pagamento ocorrer por cada serviço realizado (como é feito atualmente pelo modelo Fee For Service, ou FFS), o principal parâmetro é a qualidade do serviço – daí a importância de medir o desfecho clínico que importa aos pacientes. 

“Nossa pesquisa com mulheres que passaram pelo tratamento do câncer de mama mostra que, uma vez que elas não estejam mais em risco de morte, o desfecho de saúde mais importante para elas era a função cognitiva. Elas queriam poder pensar claramente e não sofrer as consequências do declínio cognitivo causado pela quimioterapia. Se os profissionais de saúde não sabem qual é o desfecho que importa, então haverá muito gasto sem melhora nos resultados”, afirma. 

Em entrevista exclusiva ao Time de Saúde, o professor e pesquisador do tema esclarece quais são os principais desafios e as diferenças – e semelhanças – na implementação do modelo VBHC em várias partes do mundo, além de destacar o papel das empresas no fomento à atenção primária e os próximos passos do VBHC. 

Em mais de uma década de pesquisa em organizações que aplicam os conceitos de VBHC na prática, quais são os principais desafios e ensinamentos que você observa?

Quando falamos em valor, nos referimos à mudança nos desfechos de saúde que mais importam para os pacientes pelo custo em alcançá-los. Poucas pessoas nos serviços de saúde medem esses desfechos e um número menor ainda sabe qual é o custo de entrega deles, em nível de cada indivíduo. Infelizmente, ainda são raros os casos em que os serviços de saúde sabem quais são os desfechos que mais importam aos pacientes

Embora as organizações meçam muitas coisas – se o paciente com doença cardíaca recebeu a medicação ou se os profissionais de saúde lavaram as mãos, por exemplo –, pouquíssimas acompanham os desfechos de saúde dos próprios pacientes. Acompanhar a conformidade do trabalho é importante, e o processo científico depende dessa consistência. Mas essas medidas não nos dizem se o paciente ficou melhor por conta do resultado do nosso cuidado. E a maioria das organizações não sabe se o que elas fazem pelos pacientes melhora a saúde deles. 

Como entender quais desfechos importam mais aos pacientes?

Nós aprendemos via pesquisa com pacientes que poucas organizações sabem quais são os desfechos que mais importam a eles. Nossa pesquisa com mulheres que passaram pelo tratamento do câncer de mama mostra que, uma vez que elas não estejam mais em risco de morte, o desfecho de saúde mais importante para elas era a função cognitiva. Elas queriam poder pensar claramente e não sofrer as consequências do declínio cognitivo causado pela quimioterapia, o chamado “chemo brain” (cérebro de quimioterapia, em tradução livre). 

Não ter essa medição dos desfechos significa também que os profissionais, de todos os níveis, não estão cientes das variações. O cuidado que funciona para um grupo de pacientes pode não ser eficaz em outro, que geralmente é a população mais marginalizada e com menos recursos. A falta dessas medidas de desfechos agrava as disparidades. 

Há muitas implicações dessa discussão no âmbito dos cuidados que os pacientes recebem e o que nós deveríamos medir, mas se os profissionais de saúde não sabem qual é o desfecho que importa, então haverá potencialmente muito gasto sem melhora nos resultados. 

As pessoas devem se comprometer em começar a medir os desfechos que importam aos pacientes e, depois, compartilhar o que aprenderam com colegas e com os próprios pacientes. A medição dos desfechos é o primeiro passo para todos (que desejam implementar o VBHC). 

Os desafios para a implementação do VBHC variam de acordo com a cultura de saúde e a experiência de cada país e região? 

Nossa experiência global é surpreendentemente diferente do cenário que a pergunta presume. O que nós temos visto é que os desafios são notavelmente similares entre países e continentes, seja quais forem as diferenças nos modelos de pagamento, papéis dos governos, entre outros fatores. Poucos lugares no mundo medem rotineiramente os desfechos de saúde, menos ainda são os que entendem quais desfechos importam mais aos pacientes e quase ninguém sabe os custos para entregar cuidado em nível do indivíduo. 

Por outro lado, nós temos visto muitas semelhanças nas formas como as pessoas implementam as transformações do cuidado baseado em valor. Elas começam, quase todas, com a medição dos desfechos e são essas as informações que alimentam equipes cada vez maiores, que focam em melhorar os resultados. 

Conforme os resultados melhoram, elas buscam oportunidades de acelerar o crescimento, comparam os dados com outras organizações líderes e ensinam os demais sobre o próprio sucesso. Nada disso é rápido – são esforços de muitos anos –, mas que sempre começam igual: com alguém medindo desfechos de saúde significativos. 

Como você descreveria os principais benefícios do VBHC para cada um dos stakeholders do sistema: pacientes, operadoras e profissionais de saúde?

O objetivo de qualquer mudança de pagamento deveria ser alinhar o sucesso financeiro ao sucesso médico. Infelizmente, essas mudanças acabam presas no conceito de risco – quem está suportando mais risco do que antes? 

Mas quando há esse alinhamento, os pacientes se beneficiam de duas maneiras, pelo menos. Primeiro, os profissionais de saúde são financeiramente motivados a melhorar os desfechos de saúde que mais importam aos pacientes. Segundo, a maioria das mudanças de pagamento oferece mais liberdade em como o cuidado será entregue, quais serviços serão ofertados, bem como onde e quando. Isso permite que os profissionais forneçam o cuidado que importa aos pacientes com mais rapidez.

Já os profissionais de saúde não precisam mais buscar a aprovação das operadoras para serviços que, em sua avaliação, são os mais apropriados. Eles passam a ter mais controle e mais habilidade em focar nas demandas dos pacientes. 

As operadoras se beneficiam também com a redução inicial nos gastos e, mais importante, com a melhoria na saúde das pessoas que elas cuidam. A forma mais impactante de reduzir o gasto com saúde é melhorando os desfechos clínicos para que se diminua a necessidade de mais cuidado.

 

“A forma mais impactante de reduzir o gasto com saúde é melhorando os desfechos clínicos para que se diminua a necessidade de mais cuidado.”

 

Na sua opinião, qual é o papel da prevenção na criação de um sistema de saúde mais sustentável e como as operadoras e os profissionais de saúde podem usá-la para melhorar o custo-efetividade? 

Há dois âmbitos de prevenção que devemos focar. A prevenção primária, que visa evitar que as pessoas desenvolvam condições crônicas, ligadas ao estilo de vida. E, embora esse seja o foco de promoção da saúde há décadas, infelizmente não tem tido bons resultados, já que a incidência das doenças crônicas continua a aumentar no mundo – o que nos leva à área negligenciada da prevenção secundária. 

Quando uma pessoa é diagnosticada com diabetes tipo 2 ou insuficiência cardíaca, como podemos desacelerar o avanço da condição ou até revertê-la? Há uma percepção amplamente difundida de que as doenças crônicas só vão em uma direção – e a saúde vai piorando, até que a pessoa morre. Mas há várias evidências de que muitas dessas condições são reversíveis e podem ser administradas, de forma a diminuir a progressão. Eu gostaria de ver um foco maior na prevenção secundária.

Qual é a responsabilidade das empresas pela saúde dos seus colaboradores, e de que forma elas podem atuar?

Seja qual for a “responsabilidade” dos empregadores pela saúde dos empregados, é claro que as empresas têm um interesse financeiro enorme em garantir que os colaboradores, e suas famílias e comunidades, estejam saudáveis. Funcionários saudáveis são mais produtivos, ficam mais tempo na empresa, com menores taxas de rotatividade (turnover). Nossa experiência indica que os empregadores entendem isso, mas eles não percebem que podem ter um impacto e poder sobre a saúde dos funcionários.  

Em países em que as empresas pagam pelo cuidado com a saúde dos colaboradores, elas frequentemente perdem oportunidades de exigir um cuidado mais efetivo para os seus funcionários. Mas, mesmo em lugares em que elas não pagam diretamente, as empresas têm grande influência que pode ser usada, como influência política e econômica.  

Nós temos visto empregadores globalmente intervindo cada vez mais na saúde dos funcionários, seja construindo clínicas, atuando com os provedores locais, influenciando os líderes governamentais e tornando a saúde no trabalho um elemento estratégico.

 

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