Quando um médico precisa submeter um paciente a uma cirurgia coberta pelos planos de saúde tradicionais, dá-se início a um trâmite burocrático, relativamente longo e angustiante para as duas partes: tanto para quem vai conduzir o procedimento quanto para quem vai passar por ele. 

Nenhum deles sabe se o tratamento será autorizado pela operadora, e a resposta tende a demorar, pelo menos, 10 dias – isso quando, no meio do caminho, não são solicitados novos documentos e comprovantes, o que costuma colocar os profissionais de saúde em uma posição de “inimigos” da operadora, sob a desconfiança de que o procedimento talvez não seja realmente necessário. 

A tensão nas relações entre os players é bastante comum e consequência de uma cultura de remuneração na saúde suplementar que foca nos procedimentos e não nos desfechos, como ocorre atualmente no Brasil, conforme explica o cirurgião plástico Dov Goldenberg, membro do Alice Medical Founding Team (AMFT)

“O médico quer ganhar mais, o plano quer pagar menos, e algumas pessoas acham que a solução está na hiper indicação do procedimento. E qual é o caminho para evitar isso? De um lado, remunerar melhor e, de outro, indicar melhor. Assim, você vai operar quem realmente precisa e vai receber melhor por cada caso”, detalha Goldenberg, que desenvolveu os protocolos de cirurgia estética e funcional na gestora de saúde e é professor livre docente pela Faculdade de Medicina da USP. 

Leia abaixo a entrevista completa:

Como funciona a lógica de indicação e de remuneração das cirurgias nas operadoras de saúde tradicionais?

Nos planos de saúde convencionais, o médico vê o paciente sem nenhum conhecimento da operadora e solicita o procedimento para ser executado via hospital. Isso gera um trâmite burocrático, relativamente longo e angustiante para as duas partes: paciente e médico. Nenhum dos dois sabe se o procedimento vai ser autorizado e esse é um processo pouco transparente que depende de uma resposta “sim” ou “não”. O médico está acostumado a marcar uma cirurgia para dali duas semanas, que é o tempo médio de autorização do plano, e quando chega o 10º dia, o convênio pede mais um exame para avaliar se autoriza ou não por uma pendência burocrática. Pela ótica da operadora, é o médico quem gera o custo e, muitas vezes, a baixa remuneração tendencia os profissionais a cobrarem mais do que o devido para aquele caso. Isso gera uma relação de insegurança, uma relação muito pouco empática, e atrapalha no tratamento. O paciente passa a ser visto como um problema a ser superado, e há um desgaste burocrático de justificar o que é óbvio, tornando tudo mais cansativo, especialmente quando há um volume grande [de pedidos de procedimentos].

De forma geral, você acha que há um excesso de indicações de cirurgias no contexto brasileiro? 

Tem de tudo. Confiando no bom senso das pessoas, nós gostaríamos que isso não acontecesse. Mas, na realidade, existe um excesso de indicação para algumas questões. Sob a ótica do plano, o médico é o  “inimigo”, e tudo se torna uma batalha. O médico quer ganhar mais, o plano quer pagar menos, e algumas pessoas acham que a solução está na hiper indicação do procedimento. E qual é o caminho para evitar isso? De um lado, remunerar melhor e, de outro, indicar melhor. Assim você vai operar quem realmente precisa e vai receber melhor por cada caso. 

Na Alice, prioriza-se a coordenação do cuidado com foco no membro (como os pacientes são chamados pela gestora de saúde). Como essa abordagem se diferencia no contexto cirúrgico, na sua opinião? 

Na coordenação de cuidado, uma vez que o paciente seja submetido ao tratamento cirúrgico, ele não é o único responsável por si. Há sempre alguém observando e ajudando para que o desfecho ocorra da melhor maneira. Se o médico prescreve um tratamento após a cirurgia, e o paciente está sozinho, quem garante que ele vai segui-lo adequadamente? Se você tem o Time de Saúde, aumenta a probabilidade que isso aconteça, impactando no resultado final.

Na sua opinião, enquanto membro do AMFT, quão diferentes são os protocolos e as linhas de cuidado das cirurgias na Alice?

O grande diferencial dos protocolos cirúrgicos da Alice diz respeito mais ao processo que ocorre entre a indicação do procedimento e a sua execução. Na Alice, o paciente é encaminhado ao especialista por um Time de Saúde que já o conhece e que já avaliou a necessidade da cirurgia. E, quando o cirurgião avalia o paciente, ele não vai agendar a cirurgia sem antes informar na contrarreferência a gestora. O que isso significa na prática? Ele agenda a cirurgia quando tudo já está autorizado, o que torna o processo mais rápido, e a distância entre agendar e operar fica muito pequena.

Esse novo modelo beneficia médicos, pacientes, mas também o sistema de saúde, correto?

Sim, tem menos desperdício do uso do sistema e é muito mais saudável, porque o Time de Saúde encaminha apenas quando necessário, quando já suspeita da necessidade de cirurgia. Isso otimiza tempo e é uma grande vantagem. Outro benefício é que, no momento que há indicação da cirurgia, a Alice já sabe qual é o protocolo de tratamento para aquela doença e o diagnóstico, e eu já sei o que fazer e o quanto vou receber. Um procedimento que é totalmente gerenciado funciona para os dois lados: médico e operadora. Pelo lado do médico, é muito mais tranquilo trabalhar quando sei que aquilo que eu indico não terá questionamentos desnecessários e eu, em contrapartida, tenho um compromisso em ter um bom desfecho, que é algo sempre avaliado. Como muitos desses processos que a Alice utiliza são relativamente novos no dia a dia, você encontra algumas dificuldades. Um exemplo é que os próprios hospitais não estão acostumados a ter um médico agendando uma cirurgia previamente autorizada pela operadora. Eles não entendem quando o médico avisa que já está liberado e exigem uma burocracia que foi resolvida lá atrás. Esses processos precisam ser melhorados.

 

“Eu cuido do paciente da Alice e ela sabe que eu vou fazer o meu melhor, e eu sei que ela vai me valorizar como profissional, seja financeiramente, mas também me informando se os meus desfechos são bons, se os cuidados são adequados. E por que isso não é implementado por todas as operadoras? Porque exige uma questão humana de vestir a camisa e de se envolver, e é algo que percebemos de forma grande na Alice. Lá estão pessoas com formações muito consistentes e onde todo mundo tem o mesmo objetivo.”

 

Como foi a construção dos protocolos de cirurgias na Alice? O que gerou mais preocupação?

Eu faço parte de uma especialidade que tem peculiaridades pelo diagnóstico e pela demanda. Mas, de forma genérica, foi preciso buscar os melhores protocolos que gerassem os melhores desfechos. Uma vez com esse protocolo, adaptá-lo à realidade brasileira e, então, analisar a viabilidade da execução dentro dos hospitais conveniados. Por exemplo, para tratar câncer de pele, tivemos que imaginar um protocolo em que os pacientes com câncer sejam encaminhados ao cirurgião plástico de forma que não haja nem falta e nem excesso de encaminhamentos. Boa parte dos cânceres de pele pode ser tratada pelo médico dermatologista de forma ambulatorial, e selecionar qual é a população que vai ser encaminhada ao cirurgião plástico é algo importante nesse processo.

Na sua opinião, qual é o papel da telemedicina na construção de protocolos de cirurgia? Facilita ou prejudica? 

Facilita, sem dúvida. A questão é que não existe na medicina uma linha que seja possível traçar e dizer que, até aqui, é possível usar a telemedicina. Existe uma zona onde o bom senso define se não estar fisicamente com o paciente é seguro. A telemedicina era muito incipiente no Brasil antes da pandemia, quando nos vimos obrigados a usá-la e, de certa forma, perceber que ela funciona muito bem quando é bem gerida. No mínimo eu diria que a telemedicina pode adiantar muitos passos de uma boa consulta médica e, quando necessário, complementá-la. E há vários cenários para isso. Por exemplo, um paciente que leva uma cotovelada no nariz e vai para o pronto-socorro. O médico de plantão examina, mas fica na dúvida se precisa de cirurgia. Ele contata o especialista, que avalia via telemedicina e orienta sobre a necessidade ou não. Outro exemplo é na relação entre paciente e médico. Na telemedicina, a pessoa já diz os sintomas, eu peço os exames e, quando ela vier para a consulta [presencial], os resultados estão prontos.

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